Por que não?
13 de julho de 2020– Mas por que eu deveria? Sem um argumento muito convincente, não me movo. Se não há uma boa razão, não vejo, não ouço, não falo. Ponho-me como os macacos de Nikko.
– Os três macacos não estão preocupados com isso. Eles estão à procura de paz. Acham que se não vemos, não ouvimos e não falamos sobre o mal alheio, tudo fica bem.
– Pois é do que se trata: se não há uma boa razão que me satisfaça, deixo de saber, não me interessa; definitivamente, não é negócio meu.
– Mas não é disso que falo. Aliás, esses macacos sugerem alienação. Tapam-se. Excluem-se da realidade. E não pensas que faltam falas e atos inteligentes sobre o mundo?
– Estás vendo? Tenho razão. É de se ficar em silêncio e de se manter distância; a maioria fala e comete tolices.
– Tens razão coisa nenhuma. Se não te acercas da realidade, não a sentes. Fechar-te ao mundo? Nada aprendes.
E a conversa era outra, falávamos sobre a tua impertinência de sempre perguntar: ‘Por que deveria?’, ‘Por que iria?’, ‘Por que faria?’. Sempre me vens com um: ‘Por que sim?’.
– Claro! Exatamente! Insisto: não me movo sem que me mova a lógica.
– Lógica? Lógica é coerência, não é contabilidade de disposição anímica. Acreditas que vais organizar tuas emoções com se faz a um almoxarifado?
– Lá vens tu. Pareces desses azafamados que detratam a burocracia.
A vida tem que ter ordem. Não se pode, sem mais, fazer qualquer coisa por qualquer motivo.
– Também penso assim. Mas não é possível ficar à procura de uma razão anterior para os gestos da vida.
– Ao contrário; deve-se, sim, procurar razões. A razão é o agente da atitude, dá-lhe mais certeza, dá uma clara indicação de quando fazer e quando não fazer.
– Uma configuração de panorama futuro? Desconfio que isso dificilmente se confirme. O devir é uma relação da tua vontade com o aleatório do mundo, e isso é o fascinante da existência.
– As pessoas… Olha, as pessoas agora me vêm com isso, de lançarem-se à sorte. Ao mesmo tempo vivem com medo, querem segurança. Como pode? As coisas têm que ser analisadas e programadas.
– Assim me parece… A ponderação… Mas isso não garante nada. Aí está a questão. As angústias vêm daí. Supões que as pessoas têm medo porque lhes falta a segurança possível. Ora, essa segurança que propões é impossível. A incerteza compõe o quadro da vida.
– Errado! Muito errado! Podemos perfeitamente traçar planos.
– Sim… Mas o futuro não tem compromisso com teus projetos. E sempre podemos, nós mesmos, mudar de ideia, não é? Aliás, é bem comum mudarmos de ideia, pois não?
– Minhas ações, desculpa, mas eu as submeto. Eu as condiciono, considerando o momento, as circunstâncias.
– Jamais! A conjuntura é que condiciona os teus atos. Repito… É uma relação: tu opinas, mas, se “navegar é preciso, viver não é preciso”; viver não é exato, mal fazendo um trocadilho com a poesia.
– Poetas estão fora do mundo, fico com minhas cautelas.
– Cautelas que também as tenho, como bússola, não como mapa. Levo-as comigo; carrego-as por aí; não me ponho estacionado nelas. Olha, achei na internet…
– Que é? De que se trata? São úteis?
– Escritos. São poéticos, são de meninas poetas, não vais gostar…
– Ora, não me amoles. Diz lá.
– Então ouve: ‘‘Ah!, fico com o ‘por que não?’, é desafio: por que não escutar, olhar, dizer? Por que não fazer? Sou livre para as tentativas. O ‘por que sim?’ sugere prévio arrependimento’’ (Adriana Alves).
– Não estou para experiências arriscadas.
– O risco compõe o quadro: “Sou toda ‘por que não?’, os meus encontros e desencontros jamais serão indicados por um ‘por que sim?’. O ‘por que não?’ é a aventura provocadora da vida” (Karine Gomes Vieira).
– Parece que queres abrir a vida… Eu quero fechar conclusão e cuidar da minha possibilidade.
– Nota como te enganas. Entre o teu fechar-te e o ousar te expor aos tantos possíveis: “Sim, sim: ‘por que não?’. Cada ‘por que não?’ é uma possibilidade. Quero muitas possibilidades” (Maíra Zimmermann).